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A AÇÃO REGRESSIVA ACIDENTÁRIA DO INSS, SUA NATUREZA JURÍDICA E OS TRIBUNAIS

THE ACCIDENT REGRESSIVE LAWSUIT OF INSS, ITS LEGAL NATURE AND THE COURTS

Maria Auxiliadora Castro e Camargo Procuradora Federal Responsável pela propositura das ações regressivas acidentárias em Goiás, Mestre em Direito pela Universidade Federal de Goiás e pela Universidade de Salamanca Doutora em Direito com menção de “Doctor Europeus”.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Direito de Regresso e Ação Regressiva; 2 Conceito; 3 Natureza Jurídica: Direito Público X Direito Privado; 3.1 O STJ e a Natureza Civil das Ações Regressivas Acidentárias; 3.2 Mais argumentos a favor da Natureza Jurídica Pública; 3.3 Classificação intermediária; 4 Importância da Classificação Jurídica; 4.1 Prescrição; 4.2 Competência; 5 Conclusão; Referências.

RESUMO: O anuncio da primeira ação regressiva, proposta pelo INSS para reaver o que pagou em benefícios da Previdência Social para mulheres vítimas de agressão doméstica, foi recebido como um grande avanço social que celebrou o aniversário da Lei Maria da Penha, destacado por toda imprensa nacional face seu ineditismo. O mesmo se passou quando o INSS anunciou ter proposto a primeira ação regressiva contra os motoristas infratores que causaram acidentes de trânsito, visando reduzir o impacto financeiro que os acidentes automobilísticos provocam em seu orçamento (cofre público). Tais notícias foram muito bem recebidas pela sociedade em geral, mas principalmente pela comunidade jurídica, acostumada com os fundamentos da reparação civil. A partir de então, os fundamentos das ações regressivas nas espécies “violência de gênero”, “acidentes de trânsito” e “acidentes de trabalho” começaram a ser confundidos e/ou mesclados. Embora seja possível ressaltar o caráter pedagógico que se revela em todas as espécies, o objetivo deste trabalho é distinguir a natureza jurídica apenas da “ação regressiva acidentária”, destacando-a da noção geral.

ABSTRACT: The announcement of the first accident regressive court case, proposed by the INSS (National Social Insurance Institute), to get back what was paid in Social Security benefits for women victims of domestic abuse, was received as a great social advancement that celebrated the anniversary of Maria da Penha Law and seconded by the entire national press by the fact of being unheard of until nowadays. The same happened when the INSS announced that had proposed the first regressive lawsuit against lawbreaking drivers that caused traffic accidents, aiming to reduce the financial impact that the automobile accidents cause in its budget (public coffer). Such reports were very well received by society in general, but especially in the legal community, used to the foundations of civil repair. From then on, the bases of regressive lawsuits originated from the sort of "gender violence", "traffic accidents" and "work accident" began to be mixed up and/or merged. Although it is possible to emphasize the pedagogical character that is revealed in all of these sorts, the objective of this article is to distinguish the legal nature only of "accident regressive lawsuit", highlighting it from the general concept.

PALAVRAS CHAVE: INSS. Acidente do trabalho Direito de regresso. Responsabilidade Civil. Ação regressiva acidentária. Natureza Pública. Prescrição. Competência.

KEYWORDS: INSS. Work accident. Civil liability. Accident regressive lawsuit. Public Nature. Prescription. Competence.

INTRODUÇÃO Mesmo que não seja uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro - já que a Lei de Planos de Benefícios da Previdência Social (Lei 8.213) data de 24 de julho de 1991- ainda assim, a ação regressiva acidentária pode ser considerada como um instrumento novo1 , que não está completamente assentado no direito brasileiro e, por isto, carente de construções interpretativas que delineiem seus contornos. O objetivo deste artigo não é o de estabelecer tais contornos, nem tratar exaustivamente a matéria. Nossa pretensão cinge-se em apenas demonstrar o tratamento que o Superior Tribunal de Justiça vem dando ao tema e sua influência sobre a construção da jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais. Entretanto, para bem entendermos as nuances que envolvem as ações regressivas acidentárias faz-se necessário pré-estabelecermos algumas premissas, sem as quais não seria possível o estudo deste novo instituto, que está a merecer maior atenção por parte da doutrina e jurisprudência. 

1 DIREITO DE REGRESSO E AÇÃO REGRESSIVA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Frequentemente a legislação pátria utiliza-se de termos processuais como “ação regressiva” para designar o direito material/objetivo do qual o indivíduo é titular, í.é: “direito de regresso”. Embora essa não seja a melhor técnica, o código Civil de 2002 prevê várias situações nas quais reconhece expressamente o direito subjetivo de uma pessoa de propor “ação regressiva” para cobrar aquilo que pagou no cumprimento de obrigação cuja responsabilidade direta e principal é imputada a outra pessoa2. Precisamente com o mesmo sentido utilizou-se da expressão “direito regressivo” ao tratar do direito dos responsáveis solidários e das pessoas de direito público interno3.

Nos termos codificados, o direito de reaver quantias pagas indevidamente (direito objetivo) confunde-se com o instrumento concretizador deste direito ao ressarcimento (direito subjetivo de ação)4 . Já o Constituinte de 1988 não cometeu o mesmo deslize, preferindo assegurar expressamente “o direito” ao prever no artigo 37: § 6º que:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (grifo nosso)

Inúmeras outras normas de direito público também referem-se à ação regressiva5 como forma de reconhecimento do direito de regresso em evidente analogia aos institutos do direito privado que, como se sabe, serviram de alicerce para outros ramos do direito, principalmente nos países que adotaram o sistema do civil law. Nestes países, de tradição romana-germânica, foram as normas do direito privado que serviram de modelo para a “criação” de outros ramos do direito constituindo o “Direito por excelência”6 . Assim, não deve causar nenhum espanto o fato de que o direito público vá buscar nos princípios da responsabilidade civil os fundamentos para que o Estado exerça seu direito regressivo contra quem causar dano ao patrimônio público.

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1 Seu nascimento na lei previdenciária se dá nos seguintes termos: Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis. Art. 121. O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem. 2 A propósito cf. os artigos 363, 414, parágrafo único, 737, 880, 930,1.318, 1.431, § 4º e 1.999, CCB. 3 Nesse sentido cf. artigos 43, 680 e 1.646 do CCB. 4 Aliás, essa confusão também está presente na definição dada por De Plácido e Silva que entende por “direito regressivo toda ação que cabe à pessoa prejudicada por outrem, em ir contra ela para haver o que é de seu direito, isto é, importância relativa ao dispêndio ou desembolso que teve, com prestação de algum fato, ou ao prejuízo, que o mesmo lhe ocasionou. Pelo direito regressivo ou direito de regresso, vai a pessoa buscar das mãos de outrem aquilo de que se desfalcou ou foi desfalcado o seu patrimônio, para reintegrá-lo na posição anterior, com o pagamento ou a indenização devida” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, vol. II, voz: Direito Regressivo, p. 95). Já no site da Procuradoria Geral da República a pesquisa encontrou, no Glossário de termos jurídicos mais usados, uma melhor definição que separa a ação regressiva do direito de ação: “Ação regressiva – É fundada no direito de uma pessoa (direito de regresso) de haver de outrem importância por si despendida ou paga no cumprimento de obrigação, cuja responsabilidade direta e principal a ele pertencia. A ação tem por objetivo reaver a soma despendida nessa reparação da pessoa cujo dano foi por ela, individualmente, causado” (cf. <http://noticias.pgr.mpf.gov.br/comunicacao-mpf/glossario/>. Acesso em: 21 de setembro de 2011) 5 Apenas a título de exemplo confira: CPC, artigo 70, III; Lei 8.112/90, artigo 122, § 2º, etc.

 

2 CONCEITO

O princípio do regresso contra o empregador negligente (quando o dano se origine de culpa ou dolo7 ) observa o direito dos trabalhadores previsto no artigo 7º da CRFB, XXII, de ter reduzido os riscos inerentes ao trabalho. Assim, se por um lado não se pode deixar ao desabrigo as vítimas de acidente do trabalho, por outro lado também é certo que a sociedade não deve arcar com os ônus decorrentes de condutas irresponsáveis dos empregadores.

Desta forma, o primeiro objetivo que salta aos olhos ao tratarmos da ação regressiva acidentária é o ressarcimento aos cofres do INSS que é financiado por toda sociedade8 . Nesse sentido:

A ação regressiva acidentária é o instrumento pelo qual o Instituto Nacional do Seguro Social busca o ressarcimento dos valores despendidos com prestações sociais acidentárias, nos casos de culpa das empresas quanto ao cumprimento das normas de segurança e saúde do trabalho9 .

Entretanto, este conceito estrito não atende a todos os propósitos de referidas ações, que são muito mais amplos. O Procurador Federal Fernando Maciel10 já no início de sua obra destaca com muita propriedade a superficialidade deste conceito afirmando o caráter punitivo-pedagógico que envolve as ações regressivas acidentárias. Com inteira razão o autor já que, realmente, o exercício do direito regressivo pelo INSS representa uma sanção de natureza patrimonial posto que incide diretamente sobre o patrimônio das empresas que não cumprirem as normas de saúde e segurança no trabalho. Assim, se é legítimo que o INSS dê proteção aos seus segurados vítimas de acidentes do trabalho, mais legítimo ainda é entender que não poderá toda a sociedade suportar as despesas advindas de condutas negligentes das empresas. Desta forma, a simples hipótese de ter que ressarcir o INSS, em determinados casos de acidente do trabalho, estimula o empregador a tomar medidas protetivas e preventivas que visam afastar os riscos de ocorrência de acidentes do trabalho. Tanto é assim que após a incrementação destas ações no Estado do Amazonas, a partir do ano de 2002, verificou-se uma redução de 80% no índice de redução de acidentes de trabalho na construção civil de Manaus e 12% de redução no índice geral de acidentes ocorridos no Brasil em 200911. Verifica se, então, que a ação em discussão representa, realmente, um importante mecanismo de prevenção de acidentes do trabalho12. 

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6 Cf. AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 29, que ainda afirma: “O Direito Civil ou privado tem prioridade histórica em relação aos demais direitos (Pietro Rescigno. Manuale del diritto privato italiano. Quinta edizione, Napoli, Jovene Editore, 1983, p. 3 e segs), o que explica a inserção, nos Códigos e nos manuais de direito civil, de uma parte introdutória contendo normas gerais sobre a aplicação da leis e todos os ramos do direito . Especificamente sobre a responsabilidade civil anotamos a observação de Caio Mario da Silva Pereira ao discorrer sobre a influência do Direito Romano sobre os demais ramos do direito. Para ele o estudo da responsabilidade civil não se detém nos sistemas clássicos, porque historicamente todas as noções se entrecruzam. (SILVA PEREIRA, Caio Mário. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 2.) 7 O artigo 120 da Lei 8.213/91 é bastante criticado pela doutrina por prever apenas os casos de “negligência”. Ainda assim, sobre esse aspecto, não há controvérsias de que a culpa deve ser entendida em sentido lato e, igualmente, deve estender-se aos casos de dolo. Nesse sentido: “Uma impropriedade da norma consiste em aludir apenas à negligência. Se não se trata de simples negligência, mas de imprudência ou mesmo de conduta dolosa, a responsabilidade de indenizar o dano à Previdência deve ser reconhecida”. (MELHADO, Reginaldo. “Acidente do Trabalho, Guerra Civil e Unidade de convicção”. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.40, n.70 (supl. esp.), p.61-77, jul./dez.2004. Disponível em: http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_70_II/Reginaldo_Melhado.pdf, acesso em 19.09.2011). 8 Cf. Art. 195 da CRFB: “A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta ou indireta...” 9 Cartilha de Atuação nas Ações Regressivas Acidentárias, GT-PGF. Brasília: 2009. 10 MACIEL, Fernando. Ações Regressivas Acidentárias. São Paulo: LTr, 2010. 11 FONTE: Dados extraídos de informações da CGCOB divulgadas na página web da PGF em ambiente restrito e/ou correio eletrônico institucional.

Embora seja evidente o caráter ressarcitório da ação regressiva acidentária, ao nosso sentir, ela está muito mais próxima de atender aos desígnios constitucionais de redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII) do que de representar importante fonte de custeio da Previdência Social13. Isso porque embora o que se recupera para os cofres públicos através das ações regressivas apresente valores expressivos (estimativa aproximada de 200 milhões até o presente momento), estes não representam nem 4% do que a Previdência Social gasta com o pagamento de benefícios acidentários e seus custos operacionais (que no ano de 2009 representou 56,80 bilhões de reais conforme se vê das estatísticas oficiais14).

Assim, entendemos que a maior importância das ações regressivas não reside nos valores que são recuperados pela Previdência, mas sim no efeito punitivo-pedagógico que delas decorre e cuja consequência é uma maior observância das normas de prevenção de acidentes do trabalho, poupando assim, a vida de milhares de trabalhadores. Tanto é instrumento preventivo que atualmente faz parte do Plano de ação do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho de iniciativa do TST e que, dentre outros órgãos, tem a AGU e o Ministério da Previdência Social como parceiros15.

Então, o atual conceito da ação regressiva acidentária deve privilegiar o caráter preventivo em detrimento do caráter ressarcitório. É ela então, um importante instrumento processual de prevenção e redução de riscos inerentes ao trabalho que visa sancionar o empregador negligente ao ressarcimento do dano provocado aos cofres do INSS.

Essa reparação do dano, à evidência, encontra seus primeiros fundamentos nos institutos consagrados da responsabilidade civil, mas tal fato não leva à conclusão de que tenha natureza jurídica de direito civil. 

3 NATUREZA JURÍDICA: DIREITO PÚBLICO X DIREITO PRIVADO

Nos tempos atuais, a dicotomia entre direito público e privado já não evidencia com clareza os limites enxergados pelos romanos ao elaborar a clássica divisão segundo fossem os interesses regulados individuais (privados) ou coletivos (públicos). Desde a última metade do século XX, a presença de um conteúdo social nas relações privadas, como consequência da constitucionalização do direito civil, é tema de calorosas discussões acadêmicas, que a cada dia fragiliza a fronteira entre direito público e privado permitindo que cada um deles se valha dos institutos consagrados pelo outro16.

É exatamente o que ocorre com os fundamentos da responsabilidade civil17 que serve de alicerce para todo ordenamento jurídico, pois desde a Idade Média o Direito já não admitia que ofensas ficassem sem reparação. O interesse em restabelecer o equilíbrio causado pelo dano sempre foi a fonte precípua da responsabilidade civil. Desta forma, através de uma visão macroscópica encontramos a responsabilidade civil como fundamento da obrigação de reparação do dano, quer seja ele de natureza pública ou privada, de ordem material, moral, ambiental, cultural, social, individual, etc. Esse é o entendimento expressado pela maior civilista da atualidade que se debruçou ao estudo do tema:

O tema “responsabilidade civil”, pela sua vastidão, por ser atinente a todos os ramos do direito, e não apenas ao direito civil, e pela complexidade que engendra, além de árduo, não se encontra bem estruturado nem na legislação nem na seara doutrinária e jurisprudencial, erigindo-se, por isso, num desafio a todos os que pretendem escrever sobre ele. 18 (grifo nosso).

Instrumento concretizador da responsabilidade civil, por excelência, é a ação reparatória19 aqui utilizada como gênero do qual a ação ressarcitória é espécie a ser utilizada quando o dano puder ser mensurável pelas quantias indevidamente desembolsadas. Em outras palavras: o direito de regresso instrumentalizado pela ação regressiva assume a natureza de ressarcimento20 do patrimônio público. Entretanto, não se descarta, também, seu caráter indenizatório eis que a reparação do dano só será integral quando alcançar as parcelas vincendas, ou seja, indenização daquilo que a Fazenda Pública tiver que desembolsar até a efetiva cessação do benefício. Assim, se tivéssemos que classificar a ação regressiva acidentária de acordo com a velha tradição romana de classificação segundo o interesse perseguido (instrumento de prevenção e ressarcimento do patrimônio público), nos resta claro que outra não poderia ser sua natureza jurídica a não ser a natureza pública, já que os cofres públicos são financiados por toda sociedade e aí reside o interesse da coletividade. Entretanto, o tema desperta dúvidas ainda não enfrentadas pela doutrina especializada e que a Jurisprudência do STJ, antes de solucioná-las, fomentou a controvérsia. Vejamos a seguir. 

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12 Desde 1996 esse entendimento é defendido pelo Procurador Federal Daniel Pulino: “Trata-se de um importante mecanismo de prevenção de inúmeros acidentes do trabalho e de ressarcimento dos gastos e eles consequentes.” (PULINO, Daniel. “Acidente do Trabalho: Ação Regressiva Contra as Empresas Negligentes quanto à Segurança e à Higiene do Trabalho”. Revista de Previdência Social, São Paulo: LTr, ano XX, n. 182, pp. 06-16, jan. 1996). 13 Defende este caráter de fonte de custeio da Previdência Social o Procurador Federal Marcelo Barroso Mendes (cf. Ressarcimento do INSS. Competência da Justiça Federal. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/30643-32514-1-PB.pdf>. último acesso em: 19.09.2011). 14 Cf. Anuários Estatísticos da Previdencia Social disponíveis no sitio eletrônico da Previdencia Social: . 15 Cf. <http://www.tst.gov.br/prevencao/institucional.html>. acesso: em 20.09.2011. 16 Neste aspecto, são enriquecedores os debates em torno da publicização do direto privado. A título de exemplo cf.:CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Civilização do direito constitucional ou constitucionalização do direito civil? – A eficácia dos direitos fundamentais na ordem jurídico-civil no contexto do direito pós-moderno”. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (orgs.). Direito constitucional – estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001; MORAES, Maria Celina Bodin de. “O direito civil constitucional”. In: Arquivos de direito, n. 3. Nova Iguaçu: Gráfica Universitária, out/1999. p. 181-194; Da mesma autora cf. também: “Constituição e código civil: tendências”. In: Revista dos tribunais, n. 779. São Paulo: RT, set/2000. p. 47-63, e: “A caminho de um direito civil constitucional”. In: Revista de direito civil, imobiliário, agrário e empresarial nº 65. São Paulo: RT, jul-set/1993. p. 21-32; E, ainda: TEPEDINO, Gustavo José Mendes. “Normas constitucionais e relações de direito civil na experiência brasileira”. In: Revista Jurídica, n. 278. Porto Alegre: Notadez, dez/2000. p. 5-21. 17 Que no entender de Maria Helena Diniz é princípio de ordem pública: “É de ordem pública o princípio que obriga o

3.1 O STJ E A NATUREZA CIVIL DAS AÇÕES REGRESSIVAS ACIDENTÁRIAS

A pouca doutrina que tratou sobre as ações regressivas acidentárias, após seu nascedouro em 1991, inclinava-se em admitir a natureza jurídica privada da ação regressiva acidentária. Antes da edição do Novo Código Civil parecia dar-se como certo que a matéria que rege as ações regressivas acidentárias seria a de Direito Civil, porque embasadas num dever de responsabilidade civil (ação indenizatória). Essa corrente ganhou força com o posicionamento inaugurado no Superior Tribunal de Justiça ao decidir conflito negativo de competência entre a Justiça Federal Comum e Justiça Federal Especializada do trabalho (ambas da 4ª Região), que entendeu pela competência da Justiça Federal, sob o argumento de que: “O litígio não tem por objeto a relação de trabalho em si, mas sim o direito regressivo da autarquia previdenciária, que é regido pela legislação civil”. (STJ/ CC 59.970/RS, Min. Castro Filho, DJ. 19.10.2006)

Ainda que o precedente em questão, como foi dito, se origine de conflito negativo de competência, podemos verificar que a decisão está assentada em falsas premissas porque a ação regressiva acidentária, embora se utilize -por analogia- de alguns institutos do direito civil (como também faz a Justiça do Trabalho21), sua legislação de regência é a previdenciária, visto que sua previsão legal nasce com a Lei de Planos e Benefícios da Previdência Social e não com a legislação civil. Embora admitamos que antes da edição da Lei Previdenciária fosse possível à Previdência Social pleitear a reparação do dano com fundamento no Código Civil então vigente, deve ser observado que a espécie de reparação decorrente de acidente do trabalho encontra seu fundamento na ordem jurídica criada após o estabelecimento do Estado Democrático de Direito, inaugurado com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Logo, são outros seus fundamentos.

Apesar de que o precedente do STJ não tenha cuidado especificamente da natureza jurídica da ação regressiva, tratando da matéria apenas em obter dictum, ainda assim exerceu -e continua exercendo- papel fundamental na formação da jurisprudência dos Tribunais Regionais, como se vê do seguinte julgado da 4ª Região:

2. A ação regressiva para ressarcimento de dano proposta pelo INSS tem natureza civil, e não administrativa ou previdenciária. Precedentes do E. STJ. (destacamos).

TRF 4ª Região AC 0008580-07.2009.404.7000/PR, Rel. Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, publ. Em 21.09.2010.

Além do precedente citado (59.970) que data do ano de 2006, cujo relator foi o eminente Ministro Castro Filho -um dos goianos mais notáveis e de grande saber jurídico-, encontramos também outro precedente de onde se extrai a mesma interpretação, mas que agora trata da competência interna do STJ22 para julgar as ações regressivas acidentárias. Este foi relatado pelo Ministro Paulo Gallotti no ano de 2009:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA. RESSARCIMENTO DE DANOS. ACIDENTE DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA SEGUNDA SEÇÃO.

A ação regressiva ajuizada pelo INSS contra a empresa buscando o ressarcimento de valores despendidos com o pagamento de benefício acidentário, como na hipótese, veicula lide de natureza civil, que melhor se amolda ao disposto no art. 9º, § 2º, III, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 931438/RS, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 04/05/2009)

Entretanto, esse entendimento nunca foi pacífico, tanto que não prevaleceu nem mesmo dentro do próprio STJ. Isso porque, ainda no ano de 2007, a Terceira Turma do STJ suscitou conflito interno (CC 70.491/RS) em face do Ministro FÉLIX FISCHER, que igualmente, havia declinado de sua competência nos autos da ação regressiva acidentária ajuizada pelo INSS, determinando sua redistribuição a uma das Turmas da 2ª Seção daquele Tribunal com fundamento no art. 9º, § 2º, inciso III, do RI/STJ. 

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21 Nesse sentido consulte-se a jurisprudência do STF: “não importa, para a fixação da competência da Justiça do Trabalho, que o deslinde da controvérsia dependa de questões de direito civil” (STF/CJ 6.959, rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 134/96; e a própria CLT: artigo. 8º, Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. 22 Aqui devemos observar que, segundo o Regimento Interno do STJ, o Tribunal divide-se em 3 (três) Seções que por sua vez, subdividem-se em 3 (três) Turmas. Nos termos do Art. 9º do RI-STJ “ A competência das Seções e das respectivas Turmas é fixada em função da natureza da relação jurídica litigiosa” e daí a importância da definição da natureza jurídica das ações regressivas acidentárias. Ainda nos termos do artigo 9º, à Segunda Seção cabe processar e julgar os feitos relativos a responsabilidade civil, salvo quando se tratar de responsabilidade civil do Estado (§ 2º, inciso III), e à Terceira Seção cabe processar e julgar os feitos relativos a benefícios previdenciários, inclusive os decorrentes de acidentes de trabalho (§ 3º, III).

No conflito então estabelecido, o Relator, Ministro Francisco Falcão, argumentou que não importava que a pretensão do INSS, naquele caso, estivesse fundamentada no artigo 159 do Código Civil de 1917, se a relação jurídica travada entre as partes é de direito público, amparada pelo artigo 120 da Lei previdenciária. Concluiu, então, o relator:

Sendo assim, em que pese se tratar de ação regressiva por ressarcimento de danos, o que envolve, de forma genérica, a aplicação do art. 159 do Código Civil, a causa de pedir diz respeito a acidente de trabalho, sendo o fundamento jurídico previsto nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/91. A relação jurídica a ser discutida diz respeito à negligência da empresa em cumprir normas concernentes à relação de trabalho, questão a ser dirimida pela Eg. Terceira Seção do STJ.23 (grifo nosso)

Assim, o padrão estabelecido com CC 59.970/RS começava a perder o caráter de “paradigma absoluto” a ser invocado pelos Tribunais Regionais:

1.- Os fundos da previdência social, desfalcados por acidente havido hipoteticamente por culpa do empregador, são compostos por recursos de diversas fontes, tendo todas elas natureza tributária. “Se sua natureza é de recursos públicos, as normas regentes da matéria devem ser as de direito público, porque o INSS busca recompor-se de perdas decorrentes de fato alheio decorrente de culpa de outrem” […] (grifo nosso) TRF4 5000033-56.2011.404.7117, rel. Des. Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 22/06/2011.

Contudo, é inegável que o precedente 59.970 é o que ainda exerce papel preponderante na formação da jurisprudência dos Tribunais Regionais prevalecendo, sobretudo, no que tange à competência do foro como veremos oportunamente.

3.2 MAIS ARGUMENTOS A FAVOR DA NATUREZA JURÍDICA PÚBLICA

a) Outro argumento a favor da natureza pública da ação regressiva acidentária reside no fato de o exercício do direito de regresso, conforme determinado no artigo 120 da Lei 8.213/91, não ser uma mera faculdade da Previdência Social, mas sim um dever. Não está permitido ao INSS (ou no caso à PGF, como órgão de representação responsável pelo ajuizamento da ação regressiva acidentária) fazer qualquer juízo de discricionariedade sobre a oportunidade ou conveniência de sua propositura. Basta observar o comando imperativo do verbo propor:”Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis”. 

Como se pode observar a Lei de Plano e Benefícios da Previdência Social não utiliza o termo “poderá propor” ação regressiva, mas sim “proporá” ação regressiva não deixando dúvida quanto à sua obrigatoriedade24. Tanto é assim que os Procuradores Federais são orientados a não sugerir o arquivamento do Procedimento de instrução Prévia (PIP), que apura os acidentes comunicados à Previdência Social, antes de esgotados todos os meios possíveis de apuração da existência de negligência do empregador na ocorrência do acidente25.

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23 Cf. CC 70.491/RS, onde o relator ainda cita vários precedentes do próprio STJ tais como:CC nº 45.897/PR, Relator Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ de 28/03/2005, p. 173; CC nº 41.314/CE, Relator Ministro FELIX FISCHER, DJ de 20/09/2004, p. 175; REsp nº 506.881/SC, Relator Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ de 17/11/2003, p. 364; RST vol. 177, p. 82; 24 Aliás, essa “obrigatoriedade” não é novidade no direito público. Antes mesmo da existência da AGU, a Lei 4.619/65, que disciplinava a propositura de ação regressiva em face do agente público federal, obrigava o Procurador da República (então titular da ação) a propor a ação regressiva. Veja seus termos: Art. 1º Os Procuradores da República são obrigados a propor as competentes ações regressivas contra os funcionários de qualquer categoria declarados culpados por haverem causado a terceiros lesões de direito que a Fazenda Nacional, seja condenada judicialmente a reparar. 25 “Esgotadas as diligências instrutórias, na hipótese de não restar configurada a culpa da empresa, ou seja, não haver elementos que comprovem a negligência quanto ao cumprimento e a fiscalização das normas de saúde e segurança do trabalho, o Procurador promoverá o arquivamento do PIP, submetendo sua decisão à chefia local através de um relatório circunstanciado das diligências realizadas e de seus respectivos resultados. Ressalta-se que o arquivamento do PIP não produzirá efeitos irreversíveis, pois a identificação superveniente de algum elemento de culpabilidade da empresa poderá ensejar a reabertura do expediente, observado o prazo prescricional para o

Assim, por qualquer ângulo que se analise a questão, não nos parece sequer razoável que a ação regressiva acidentária possa assumir feição de direito privado, não havendo nenhuma dúvida quanto à sua natureza pública.

3.3 CLASSIFICAÇÃO INTERMEDIÁRIA

Devemos citar, ainda, a corrente capitaneada pelo Procurador Federal Fernando Maciel, que defende a natureza jurídica complexa das lides regressivas acidentárias:

Considerando que o julgamento de uma ação regressiva acidentária pressupõe uma análise multidisciplinar de diversas questões afetas ao Direito Civil, do Trabalho e Ambiental, pode-se concluir pela natureza jurídica complexa dessa lide, o que merece ser considerado quando da definição da justiça competente para julgar essas ações.26

Ainda que comunguemos com a ideia geral, com a devida venia, discordamos tratar-se de lide de natureza complexa. Isso porque, a nosso juízo, dificilmente uma lide trará em seu bojo matéria exclusiva de um ramo do Direito, principalmente porque o sistema constitucional irradia por todo ordenamento jurídico. Na melhor das hipóteses uma lide veiculará regras de direito material e processual. Portanto, a característica de interdisciplinariedade, ao nosso ver, é inerente a todas as lides e não atende à classificação proposta.

No entendimento do magistrado trabalhista Reginaldo Melhado, o próprio acidente do trabalho, como fato, pode apresentar-se como suporte de qualificações jurídicas diferentes, gerando, portanto, pretensões e processos distintos:

[...] rotineiramente pode gerar quatro ou cinco desdobramentos na Justiça. Ele pode (a) ser causado por uma conduta criminosa, e será discutido perante a Justiça Penal comum; (b) pode implicar direitos a prestações previdenciárias, e a matéria então será debatida na Justiça Estadual5; (c) pode implicar o direito à estabilidade provisória e a reintegração no emprego, e nesse caso a postulação ocorre perante a Justiça do Trabalho; (d) pode ocasionar dano ao INSS, que se vê obrigado a conceder benefício previdenciário a segurado vitimado por acidente causado pela negligência do empregador, e nessa hipótese até agora se entendia ser competente para a matéria a Justiça Federal (embora estejamos a sustentar que também aqui a competência é da Justiça do Trabalho) e (f) pode, finalmente, gerar o direito à indenização pelos danos materiais e morais, por ter agido o empregador com dolo ou culpa27.

Desta forma, ainda que a ação regressiva acidentária possa gerar discussões no campo do direito civil, trabalhista, previdenciário, constitucional, etc., o que sobressai é sua natureza pública posto que o direito de regresso do INSS, como vimos, não decorre de uma relação jurídica de Direito Civil. 

4 IMPORTÂNCIA DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA

4.1 PRESCRIÇÃO

A definição da natureza jurídica da ação acidentária regressiva tem relação direta com a aplicação dos prazos prescricionais. A corrente que entende tratar-se ela de ação de natureza civil, obviamente, defenderá a aplicação da prescrição trienal prevista no inciso V do § 3º do artigo 206 do Código Civil de 2002. Já a corrente que conclui pela natureza pública da ação regressiva acidentária defende a aplicação da prescrição quinquenal prevista no Decreto-lei 20.910/32.

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exercício da pretensão ressarcitória”. Cartilha de Atuação nas Ações Regressivas Acidentárias. Brasília: 2009, item 5.3.3, p. 23/24. 26 Op. cit. p. 44 27 “Acidente do Trabalho, Guerra Civil e Unidade de convicção”. 0p. cit.

O STJ ainda não enfrentou o tema. Entretanto, mesmo que não seja possível antecipar o entendimento a ser consagrado pelo Tribunal Superior, ao prevalecer o entendimento de que a natureza jurídica das ações acidentárias “veicula lide de natureza civil”, a tendência natural seria a aplicação dos prazos do Código Civil.

Entretanto, para manter uma coerência com seus próprios julgados que prestigia o princípio constitucional da isonomia, a Corte Superior pode perfeitamente entender pela aplicação do prazo prescricional regulado pelo Decreto 20.910/32, considerando seus próprios fundamentos no sentido de que: “A aplicação principiológica da isonomia, por si só, impõe a incidência recíproca do prazo do Decreto 20.910/32 nas pretensões deduzidas em face da Fazenda e desta em face do administrado”28.

Ou ainda:

Incidência, na espécie, do Decreto 20.910/32, porque à Administração Pública, na cobrança de seus créditos, deve-se impor a mesma restrição aplicada ao administrado no que se refere às dívidas passivas daquela. Aplicação do princípio da igualdade, corolário do princípio da simetria29.

Assim, especificamente quando se trata de o particular cobrar indenização do INSS, o STJ firmou posicionamento de que o prazo prescricional a ser aplicado é o do Decreto 20.910/32:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA CONTRA O INSS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. PRECEDENTES DESTA CORTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO DOS CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ.

1. O entendimento pacífico nesta Corte é de que o prazo prescricional para o ajuizamento de ação indenizatória contra a Fazenda Pública é o qüinqüenal, nos termos do artigo 1º do Decreto 20.910/32. Precedentes.

2. [...]

3. Agravo regimental não-provido. (AgRg no Ag 977.654/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 12/02/2009)

Então, se o prazo para o INSS responder ação de indenização é o do Decreto 20.910/32, nada mais isonômico do que aplicar o mesmo prazo quando a Autarquia tiver que demandar o particular na condição de autora, pois nesse exato sentido consagrou firmemente o STJ:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL PARA DEVOLUÇÃO DE VALOR INDEVIDAMENTE RECEBIDO POR PARTICULAR. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DO DECRETO Nº 20.910/32. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de ser aplicável o prazo prescricional de cinco anos, previsto no Decreto nº 20.910/32, para a cobrança das dívidas ativas não tributárias, a fim de resguardar-se o tratamento isonômico entre administrados e Administração Pública. (grifo nossos) 2. Agravo regimental improvido.

______________________________________________________
28 Cf. AgRg no Ag 1303811/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 18/08/2010, que cita ainda vários precedentes jurisprudenciais (REsp 444.646/RJ, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Segunda Turma, DJ 02.08.2006; REsp 539.187/SC, Rel. Min. DENISE ARRUDA, Primeira Turma, DJ 03.04.2006; REsp 751.832/SC, Rel. p/ Acórdão Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJ 20.03.2006; REsp 714.756/SP, Rel. Min. ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJ 06.03.2006; REsp 436.960/SC, Rel. Min. CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJ 20.02.2006), para a final decidir: “7. À luz da novel metodologia legal, publicado o julgamento do Recurso Especial nº 1.105.442/RJ, submetido ao regime previsto no artigo 543-C, do CPC, os demais recursos já distribuídos, fundados em idêntica controvérsia, deverão ser julgados pelo relator, nos termos do artigo 557, do CPC (artigo 5º, I, da Res. STJ 8/2008)”. 29 Cf. REsp 623.023/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 14.11.2005. Ainda da relatoria da mesma Ministra: “Se a relação que deu origem ao crédito em cobrança tem assento no Direito Público, não tem aplicação a prescrição constante do Código Civil”. (REsp 1057477/RN, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 02/10/2008).

(AgRg no REsp 1236866/RS, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 13/04/2011)

Aliás, a posição firme do STJ sempre foi a de afastar a incidência dos prazos previstos no Código Civil quando a Administração Pública demandasse contra o particular:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MULTA. NATUREZA ADMINISTRATIVA. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. INCIDÊNCIA DO DECRETO N. 20.910/32. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA ISONOMIA.

1."A possibilidade de a Administração Pública impor sanções em prazo vintenário, previsto no Código Civil, e o administrado ter a seu dispor o prazo qüinqüenal para veicular pretensão, escapa ao cânone da razoabilidade, critério norteador do atuar do administrador, máxime no campo sancionatório, onde essa vertente é lindeira à questão da legalidade" (AgRg no Ag 951.568/SP, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 2 de junho de 2008). Outro precedente: REsp 1.057.477/RN, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 2 de outubro de 2008.

2. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AgRg no REsp 1138720/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/02/2010, DJe 18/02/2010)

Por estas razões, e uma vez que a ação regressiva acidentária fundamenta-se numa relação de trato sucessivo (ressarcimento dos valores pagos mensal e indefinidamente pelo INSS a título de benefícios acidentários), não haverá prescrição “do fundo de direito”, já a pretensão ressarcitória se renovará a cada mês durante a vigência do benefício. Esse também é o entedimento consagrado pelo STJ através da Súmula 8530, ao tratar das dívidas do INSS:

Em se tratando de ação proposta com o fito de obter revisão de benefício previdenciário, relação de trato sucessivo e de natureza alimentar, a prescrição que incide é tão-somente aquela que atinge as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação, não ocorrendo a chamada prescrição do fundo de direito, nos termos da Súmula 85/STJ.

(RESP 200802236536, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:15/06/2009.)

Ainda:

As verbas retidas pelo INSS na aposentadoria de seu beneficiado, a título de pensão alimentícia, e repassadas a menor para as alimentadas/autoras têm caráter de trato sucessivo. Na presente hipótese, a cada creditamento a menor (desde 1977) ocorria uma lesão e, por conseguinte, surgia uma pretensão a qual ensejava ação sujeita a um prazo prescricional.

4. Não se trata aqui de prescrição do fundo do direito, mas sim de prescrição das próprias parcelas, uma vez que, em se tratando de prestação de trato sucessivo, renova-se o prazo prescricional em cada prestação periódica não cumprida, sendo da essência da teoria do trato sucessivo reconhecer a possibilidade de, a qualquer tempo, formular a pretensão perante à Administração.

(RESP 200400952260, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:23/10/2009.)

Desta forma, caso o STJ viesse a entender pela aplicação dos prazos prescricionais previstos no Código Civil Brasileiro às ações regressivas acidentárias, estaria decidindo contrariamente à jurisprudência que firmemente consagrou, motivo pelo qual cremos tratar de uma hipótese remotíssima.

Registramos, ainda, que o mesmo sentido extraído da jurisprudência do STJ, foi adotado pela da Procuradoria-Geral Federal, cujo posicionamento institucional foi firmado conforme argumentos defendidos no bem elaborado PARECER CGCOB/DIGETRAB Nº 001/2011, de

26.02.2011, da lavra do Procurador Federal Marivaldo Andrade dos Santos, que após vasta fundamentação, conclui:

Com fundamento nas razões expostas, conclui-se que a prescrição da pretensão regressiva acidentária, ao não possuir um regramento legal específico, deve ser submetida ao regime prescricional quinquenal do Decreto 20.910/32, por força da aplicação do princípio da simetria, como forma de suprir a lacuna legislativa. É que, em tal situação, a regra estipulada no artigo 120 da Lei 8.213/91 consubstancia-se atribuição cogente de recuperação e crédito previdenciário, que, por isso mesmo, revela a natureza pública da vinculação jurídica entre o INSS e o responsável pela lesão dos interesses da autarquia.

...

Além do mais, o direito regressivo de crédito da autarquia não se limita somente a cinco anos, pois a natureza continuada do benefício previdenciário impõe a renovação sucessiva da obrigação. Isso implica a inviabilidade de prescrição do fundo de direito, ou mais especificamente, da situação jurídicva subjacente, base do próprio ordenamento jurídico legalmente previsto, visto que a prerrogativa de recomposição do patrimônio do INSS atinge valores vencidos e as prestações que forem sucessivamente pagas pela autarquia até a extinção da obrigação de pagametno do benefício, de tal forma que fique assegurado, a cada nova prestação (lesão), o prazo prescricional quinquenal para exercício da pretensão regressiva acidentária.

No entanto, a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais ainda é vacilante, ora admitindo a prescrição trienal:

ADMINISTRATIVO. BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. INSS. AÇÃO REGRESSIVA CONTRA O CAUSADOR DO DANO. PRESCIÇÃO. Sendo o INSS responsável pelo pagamento de benefício acidentário, pode ele se valer da ação regressiva contra o causador do dano, observada a prescrição trienal (CC, artigo 206, § 3º, inciso V). Ajuizada a demanda em 2009 e datando o óbito e o início do benefício de 2005, prescrita está a pretensão de efetivar o ressarcimento, porquanto vencido o lapso trienal. Apelação improvida. (AC 200871170009595, SILVIA MARIA GONÇALVES GORAIEB, TRF4 - QUARTA TURMA, D.E. 31/05/2010).

Ora pendendo para a prescrição quinquenal:

EMENTA: REMESSA OFICIAL. AÇÃO DE REGRESSO. INSS. PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSOS PÚBLICOS. Os fundos da previdência social, desfalcados por acidente havido hipoteticamente por culpa do empregador, são compostos por recursos de diversas fontes, tendo todas elas natureza tributária. Se sua natureza é de recursos públicos, as normas regentes da matéria devem ser as de direito público, porque o INSS busca recompor-se de perdas decorrentes de fato alheio decorrente de culpa de outrem. Quando o INSS pretende ressarcir-se dos valores pagos a título de pensão por morte, a prescrição aplicada não é a prevista no Código Civil, trienal, mas, sim, a quinquenal, prevista no Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932. TRF4 5000663-76.2010.404.7205, D.E. 06/04/201131

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30“ Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a fazenda publica figure como devedora, quando não tiver sido negado o proprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquenio anterior a propositura da ação” (Súmula 85, Corte Especial, julgado em 18/06/1993, DJ 02/07/1993 p. 13283)

31 No mesmo sentido TRF4 5000033-56.2011.404.7117, rel. Des. Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 22/06/2011, de cujo voto se extraí os seguintes argumentos: “Inicialmente, a fim de definir-se qual o prazo prescricional aplicado à ação regressiva pelo INSS, é imprescindível a verificação da natureza jurídica da pretensão veiculada pela autarquia”. Malgrado respeitável jurisprudência em contrário, divirjo do entendimento de que a ação regressiva pelo INSS em face da empresa que agiu com culpa diante de acidente de trabalho é de natureza privada e, via de consequência, sujeita aos prazos prescricionais previstos no Código Civil. Isso porque a pretensão da autarquia previdenciária tem por escopo restituir aos cofres públicos prestações vencidas e vincendas de pensão por morte paga em favor da família de empregado vítima de acidente do trabalho, acidente este decorrente, supostamente, por culpa do empregador. Ora, a autarquia previdenciária, em última análise, busca recompor os cofres públicos dos valores que possuem natureza jurídica de recursos públicos, e não recursos exclusivamente privados a ensejar a aplicação da legislação civil”

Como se vê, a questão ainda não está definida nos tribunais tornando-se necessário gastar ainda muitos rios de tinta para solucionar a questão da aplicação dos prazos prescricionais.

4.2 COMPETÊNCIA

Uma das questões mais tormentosas que envolve as ações regressivas acidentárias trata-se da competência para processar e julgar as ações regressivas.

Curiosamente, depois da promulgação da EC 45/2004 a maioria entre os Procuradores Federais quando instada (em Congressos Científicos, peças e pareceres jurídicos ou mesmo em artigos publicados) a manifestar opinião sobre a competência do foro para processar e julgar as ações regressivas acidentárias, se manifesta pela competência da Justiça Especializada do Trabalho. No entanto, quando investidos no cargo de “advogados públicos”, evidentemente, esses mesmos profissionais do Direito assumem a postura institucional de defender a competência da Justiça Federal Comum.

Tal postura é plenamente justificável e encontra seu fundamento no multicitado CC 59.970, onde o STJ decidiu o conflito de competência em favor da Justiça Federal. Contribui, ainda, o fato de a Advocacia Pública ainda não está tão bem estruturada como a Justiça trabalhista e não ter representação em todos os municípios onde já estão instaladas as Varas de Conciliação e Julgamento da Justiça Federal Especializada do Trabalho.

No que se refere à postura institucional da PGF ao orientar seus membros sua justificação é simples estratégia: por que perder tempo ingressando com a ação regressiva perante a Justiça do Trabalho, se esta declinará de sua competência para a Justiça Federal comum com fundamento na decisão do STJ? O mesmo argumento vale para os Juízes Federais: para que declinar da competência para a Justiça do trabalho, se tanto os TRF's como o STJ já decidiram pela competência da Justiça Federal?

Assim, na prática processual, quando algum juiz federal declina de sua competência, os membros das Procuradorias Federais são orientados a interpor todas as medidas cabíveis para cassar essa decisão e vem alcançando sucesso nesse objetivo perante os Tribunais Regionais Federais. Até mesmo a 2ª Região onde o TRF reiteradamente declinava da competência para a Justiça do Trabalho, passou a assumir a competência para decidir as lides desta natureza:

Quanto à competência, improcede o argumento, preponderando, hodiernamente, a competência da Justiça Federal (STJ, CC 59970, DJ 19/10/06), sendo inacolhível, in casu, o argumento de oscilação jurisprudencial32.

(AC 200950010000408, Desembargador Federal POUL ERIK DYRLUND, TRF2 - OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data: 20/04/2010 - Página:193/194.)

No entanto, ao nosso sentir, a supressão da competência da Justiça do Trabalho nestes casos fere a Constituição, motivo pelo qual o que não nos parece justificável é o “comodismo institucional” instaurado de forma a conferir à Justiça Federal uma competência que não é sua.

Quando o Constituinte derivado através da EC 45\2004 atribuiu a competência para a Justiça do Trabalho julgar e processar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho (art. 114, VI), o fez em perfeita consonância com a pretensão do Constituinte originário externada no artigo 109, I\CRFB, que excluiu da competência dos Juízes Federais as causas referentes a acidentes do trabalho e as de competência da Justiça do Trabalho33. 

Conforme dantes demonstrado, o próprio STJ chamado a manifestar-se sobre a competência da Justiça do Trabalho, decidia nos mesmos termos que o Supremo consagrou na súmula vinculante 22: “Depois da EC 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a ser competente para julgar ações de indenização por prejuízos oriundos da relação de trabalho”34.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRABALHO. SÚMULA VINCULANTE 22/STF.

1. "A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional n. 45/04." (Súmula Vinculante n. 22/STF) 2. Havendo sentença de mérito proferida pela Justiça Comum Estadual, antes da edição da EC 45/04, fica, nesse juízo, fixada a competência.

3. Conflito conhecido para declarar competente o juízo suscitado

(CC 112.266/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/04/2011, DJe 05/05/2011).

Ora, o fato de que o INSS vá pleitear indenização contra o empregador não muda a natureza do acidente. Continua sendo ele “decorrente da relação de trabalho”, afinal tratamos do mesmo acidente com vários desdobramentos.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Conflito de Competência 7.204, da minha relatoria, concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu à Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho. (AI 634728 AgR, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Primeira Turma, julgado em 01/06/2010, DJe-145 DIVULG 05-08-2010 PUBLIC 06-08-2010 EMENT VOL-02409-09 PP-01975 RDECTRAB v. 17, n. 194, 2010, p. 71-74)

Então, o que vai determinar a competência da Justiça do Trabalho é a natureza do acidente que ocorre em razão do exercício do trabalho e por ocasião dele35. Desta forma, apesar de ser a lei previdenciária quem estabeleça o dever da Previdência de propor a ação regressiva acidentária, esta ação só terá cabimento quando houver ofensa às normas de Direito do Trabalho. Ora, quem mais capaz que o juiz trabalhista para indentificar as ofensas ao Direito do Trabalho?

Se a unidade de convencimento deve ser buscada, ela será encontrada a partir da práxis do Direito do Trabalho e não do Direito Previdenciário. Um exemplo bastante simples pode evidenciar esse liame inextrincável. A empresa é autuada pela fiscalização do trabalho por não estar cumprindo normas de segurança quanto ao fornecimento de equipamentos de proteção individual (CLT, art. 166). Não se resignando, ela ingressa na Justiça do Trabalho com ação declaratória de nulidade do auto de infração (Constituição, art. 114, inciso VII). Pode também ajuizar mandado de segurança, e a competência, igualmente, será do juiz trabalhista (art. 114, inciso IV). O acidente do trabalho vem a ocorrer exatamente em razão da falta desses equipamentos. O empregado, vítima do acidente, ingressa em juízo postulando indenização por danos patrimoniais e morais decorrentes do infortúnio laboral, atribuindo culpa à empresa empregadora. Haverá conexão incindível entre uma e outra causa, e a competência para seu exame deve ser do juízo trabalhista também em razão da imperiosidade de se evitarem decisões díspares sobre a mesma relação jurídica de direito material. Some-se a isso que, ademais, poderá o mesmo problema implicar outras demandas, cumuladas ou não, sempre da esfera de competência trabalhista (v.g., a reintegração no emprego, a aplicação de multas previstas em convenção coletiva de trabalho, litígios envolvendo a CIPA, o Ministério Público do Trabalho, o sindicato). O sentido da norma parece simples, embora a redação não seja a mais feliz. A Previdência Social deve ingressar com ação para ressarcir-se das despesas resultantes do acidente do trabalho, consistentes dos benefícios pagos ao trabalhador. Respeitadas as normas de segurança e higiene do trabalho, o acidente também pode ocorrer. É uma fatalidade e bem por isso é coberto integralmente pelo sistema de seguro social. Porém, se as normas de segurança e higiene do trabalho (basicamente, as contidas nos arts. 154 a 200 da CLT e nas portarias de regulamentação) não foram cumpridas pelo empregador, ele deve ressarcir a Previdência36.

Assim, mesmo que a natureza da ação regressiva acidentária fosse de natureza civil – fato que não admitimos nem por hipótese- ainda assim, a competência permaneceria com a Justiça do trabalho, argumento que, inclusive, foi enfrentado pela Ministra Ellen Gracie no STF:

CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO. COMPETÊNCIA. SENTENÇA DE MÉRITO. INEXISTÊNCIA. ART. 114 (NA REDAÇÃO DA EC 45/2004).

1. Compete à Justiça do Trabalho o julgamento das causas de indenização decorrentes de relação de trabalho propostas pelo empregado contra o empregador. Inexistência de sentença de mérito proferida pela Justiça Comum antes da EC 45/2004. Se o litígio decorre ou não de norma de direito civil, não importa. O que cumpre perquirir para a definição da competência é saber se a causa é decorrente ou não de uma relação de trabalho37. Precedente: CC 7.204/MG.

2. Incidência das Súmulas STF 279 e 454, além do reexame de legislação infraconstitucional, para afastar a conclusão do aresto recorrido, que entendeu tratar-se de ação indenizatória em razão de acidente de trabalho. Precedentes.

3. Agravo regimental improvido.

(RE 552522 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 19/10/2010, DJe-222 DIVULG 18-11-2010 PUBLIC 19-11-2010 EMENT VOL- 02434-02 PP-00271 LEXSTF v. 32, n. 384, 2010, p. 284-290)

Ressalta-se, ainda, que o fato da súmula vinculante nº 22/STF ter fixado a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações decorrentes de acidente de trabalho movidas pelos empregados contra os empregadores, de forma alguma tem o alcance de excluir da apreciação da Justiça do trabalho as lides regressivas acidentárias. Isso porque, depois da EC 45/2004, a competência desta Justiça Especializada já não é fixada em razão das pessoas (empregado e empregador), mas em razão da matéria (competência absoluta e inafastável). Tanto é assim que já não se exige “relação de emprego” para que uma lide seja submetida à apreciação da justiça obreira38.

Não importa, pois, que no polo ativo da lide figure uma Autarquia Federal porque a competência em razão da matéria deve prevalecer em relação à pessoa e tanto é assim que nas causas acidentárias onde o segurado pleiteia benefícios, o INSS é demandado na Justiça Estadual Comum.

A questão ainda não foi submetida diretamente à apreciação do STF que é quem solucionará definitivamente a controvérsia. Mas como se vê a matéria é árdua e exige uma resposta rápida dos órgãos jurisdicionais.

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32 Mas, na verdade, a oscilação existe dentro do próprio Tribunal, tanto que a 7ª Turma, decidiu exatamente em sentido oposto: “AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO REGRESSIVA DE COBRANÇA MOVIDA PELO INSS – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – PRECEDENTES DO STF - DESPROVIMENTO. - O decisum agravado, além de escorreita fundamentação, está em harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, apontando inclusive precedentes no sentido de que a ação regressiva promovida pela autarquia previdenciária, por prejuízos decorrentes de sinistros envolvendo obreiros, seria da Justiça Trabalhista. - Agravo Interno desprovido. (AG 200902010114621, Desembargador Federal SERGIO FELTRIN CORREA, TRF2 - SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data: 20/09/2010 - Página: 257).

33 “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho” – Destacamos. 34 Cf. AgRg no CC 72200/SP, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/02/2007, DJ 08/03/2007, p. 158. 35 A lei previdenciária define acidente do trabalho nos seguintes termos: “Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho” (Lei 8.213/91).

36 MELHADO, Reginaldo. Acidente do Trabalho, Guerra Civil e Unidade de convicção. Op. cit. 37 Observe que a relatora não disse “relação de emprego”. 38 Nesse sentido cf. dentre outros: MELHADO, Reginaldo. Da Dicotomia ao Conceito Aberto: As Novas Competências da Justiça do. Trabalho, in : COUTINHO, Grijalbo Fernandes & FAVA, Marcos Neves (coord.), São Paulo: LTr, 2005, p. 308-340, NASCIMENTO, Amauri Mascaro. “A competência da Justiça do Trabalho para a relação de trabalho”, in Nova competência da Justiça do Trabalho, COUTINHO, Grijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves (coord.), São Paulo: LTr, 2005, p.24-37; FREIRE PIMENTA, José Roberto. A nova competência da justiça do trabalho para lides não decorrentes da relação de emprego:aspectos processuais e procedimentais. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.40, n.70 (supl. esp.), p.29-59, jul./dez.2004.

5 CONCLUSÃO

Uma vez fixada a natureza jurídica das ações regressivas acidentárias como sendo de “Direito Público” deve ser afastado o entendimento expressado no CC 59.970 do STJ e, por consequência, impõe-se o reconhecimento da aplicação dos prazos processuais previstos do Decreto 20.910/32 e na atribuição da competência à Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações regressivas acidentárias propostas pela Previdência com arrimo no artigo 120/Lei 8.213/91. 

Negar a competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações regessivas acidentárias equivale negar a própria Constituição da República. Cumpre, então, aos magistrados trabalhistas assumirem essa competência que lhes está sendo subtraída sem resistências de suas partes.

Evidentemente que a classe empresarial, por razões históricas conhecidas, preferirá ser demandada na Justiça Federal Comum do que na Justiça Especializada do Trabalho. Todavía, além da imparcialidade dos magistrados, também deve ser considerado que a Previdência só demandará a empresa que não cumprir as normas de proteção e segurança do trabalho e por isto não objetiva punir os bons empregadores.

Assim, não basta “expressar perplexidade e preocupação com o número acentuado e crescente de acidentes e doenças relacionados ao trabalho no País, que atinge diretamente a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República”39 ou o reconhecimento por parte da Justiça do Trabalho da importância dessas ações como instrumento de prevenção de acidentes do trabalho. Tornam-se necessárias posturas mais efetivas por parte do judiciário trabalhista, de forma a não permitir a usurpação da competência que lhe foi atribuída pelo Constituinte derivado.

REFERÊNCIAS

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FREIRE PIMENTA, José Roberto. A nova competência da justiça do trabalho para lides não decorrentes da relação de emprego: aspectos processuais e procedimentais. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.40, n.70 (supl. esp.), p.29-59, jul./dez.2004.

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SILVA PEREIRA, Caio Mário. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

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39 Cf. Item primeiro da CARTA DE BRASÍLIA SOBRE PREVENÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO publicada pelos participantes do Seminário de Prevenção de Acidentes de Trabalho, organizado e promovido pelo Tribunal Superior do Trabalho, no período de 20 a 21 de outubro de 2011, disponível em <http://ext02.tst.gov.br/pls/no01/NO_NOTICIASNOVO.Exibe_Noticia?p_cod_area_noticia=ASCS&p_cod_noticia=1 3053>. Acesso em: 22.10.2011.

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