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A indenização do dano acidentário na Justiça do Trabalho

José Affonso Dallegrave Neto1 

1. Acidente de trabalho típico e espécies

Do substantivo infortúnio – que significa infelicidade, desgraça – advém a palavra infortunística, nome alcunhado ao ramo jurídico e da medicina em que se estudam os acidentes de trabalho, as doenças ocupacionais e suas repercussões. O ideal é que o foco do operador jurídico fosse menos o de reparar o infortúnio e mais o de promover a saúde do trabalhador. A propósito, cabe invocar o conceito de saúde trazido pela Organização Mundial da Saúde (OMS): “a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doenças ou enfermidades”.

Quando se fala em acidente do trabalho, está-se diante do gênero que abrange acidente-tipo doença ocupacional, acidente por concausa e acidentes por equiparação legal, respectivamente artigos 19, 20 e 21 da Lei 8.213/91. Todas essas espécies de acidente, uma vez tipificadas, produzem os mesmos efeitos para fins de liberação de benefícios previdenciários, aquisição de estabilidade 2 e até mesmo de crime contra a saúde do trabalhador.

Em relação aos efeitos do acidente no campo da responsabilidade civil do agente, há de estar presentes os elementos dano, nexo e culpa ou, nos casos de responsabilidade objetiva, o dano, o nexo e a atividade especial de risco. Sem tais elementos não há como responsabilizar o empregador pelo dano acidentário, ex vi do art. 7º, XXVIII, da CF e art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

O acidente de trabalho tipo, ou típico, caracteriza- se pela existência de evento único, súbito, imprevisto e bem configurado no espaço e no tempo. Nesses acidentes típicos as consequências geralmente são imediatas 3 , ao contrário das doenças ocupacionais que se caracterizam por um resultado mediato, porém evolutivo.

Oportuna a transcrição do conceito legal do acidente-tipo previsto na Lei 8.213/91:

Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Sintetizando a dicção legal do diploma brasileiro, pode-se dizer que acidente do trabalho “é todo aquele sinistro que decorre da execução do contrato de trabalho, provocando lesão corporal que cause morte ou redução da capacidade laborativa”.


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1. Advogado, mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); professor da Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná (Ematra IX), da Pontificia Universidade Católica (PUCPR) e do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba); e membro da Associação Luso-brasileira de Juristas do Trabalho (Jutra) e da Academia Nacional de Direito do Trabalho (ANDT). 2. Prevista no art. 118 da Lei 8.213/91. 3. MONTEIRO, Antônio Lopes; BERTAGNI, Roberto Fleury de Souza. Acidente do trabalho e doenças ocupacionais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 14.

 

1.1. Doenças ocupacionais

As enfermidades do trabalhador que se relacionarem com a atividade profissional compõem o gênero doenças ocupacionais e são consideradas acidente de trabalho para fins previdenciários e indenizatórios, nos termos do artigo 20 da Lei 8.213/91:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

As doenças profissionais, também chamadas tecnopatias ou ergopatias, têm no trabalho a sua causa única e eficiente por sua própria natureza. São, pois, as doenças típicas de algumas atividades laborativas, como a silicose em relação ao trabalhador em contato direto com a sílica. Em tais moléstias o nexo causal encontra-se presumido na lei (presunção juris et de jure).

Já as doenças do trabalho, também denominadas mesopatias, não têm no serviço executado a causa única ou exclusiva, mas são adquiridas em razão das condições especiais em que o trabalho é realizado. Embora sejam patologias comuns, excepcionalmente a execução do trabalho em condições irregulares e nocivas contribuem diretamente para a sua contração e desenvolvimento.

Assim é, por exemplo, o caso da bronquite asmática que, via de regra, provém de causa genérica a qualquer pessoa, mas que pode ser provocada ou desenvolvida por condições especiais de trabalho, como o de um arquivista ou bibliotecário. Nesse caso, para que o empregado tenha direito à correspondente indenização, deverá provar o nexo de causalidade, ou seja, que trabalhava em local úmido com poeiras ou mofos.

Com o advento da Lei 11.430/2006, que inseriu o art. 21-A na Lei 8.213/91, passamos a ter uma terceira espécie de doença ocupacional, qual seja, aquela decorrente de Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP). Da incidência estatística e epidemiológica resultante do cruzamento da Classificação Internacional de Doença (CID) com a atividade da empresa Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) advém o NTEP, o qual gera presunção relativa de que a doença acometida pelo empregado é ocupacional. Oportuna a transcrição do referido art. 21-A da Lei 8.213/91:

A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doença - CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento.

Nos termos do art. 20, § 1º, da Lei 8.213/91, não são consideradas doenças do trabalho aquelas:

a) degenerativas;
b) inerentes a grupo etário;
c) que não produzam incapacidade laborativa;
d) endêmicas (adquiridas de forma especial em determinada região).

Nesse sentido respalda a jurisprudência:

A artrite reumatóide caracteriza-se como doença degenerativa, auto-imune e progressiva, de etiologia desconhecida. Desde a publicação da Lei 6.367/76 e do Decreto n. 79.037/76, não são consideradas como doenças profissionais ou do trabalho as moléstias degenerativas, as inerentes a grupo etário e aquelas que não acarretam incapacidade para o trabalho. A Lei 8.213/91 e o Decreto n. 357/91 mantiveram a exclusão dessas três espécies, acrescentando a endêmica adquirida por habitante de região em que ela se desenvolva (art. 20 da Lei 8.213/91). (TRT 2ª Região, Ac. N. 02980665007, 8ª T., Rel. Juíza Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva, DOESP 02/02/1999).

Não se olvide a melhor exegese sistêmica do texto legal. É o caso, por exemplo, das doenças de caráter degenerativo e de origem congênita, as quais serão tidas como doença do trabalho caso se demonstre que as condições especiais de labor concorreram para a sua manifestação precoce:

Acidente do trabalho. Doença. Nexo causal. Caráter degenerativo. Condições agressivas de trabalho. Reconhecimento. Indenizabilidade. Mesmo de origem congênita e natureza degenerativa, a doença será considerada do trabalho se as condições especialmente agressivas deste concorreram para sua eclosão precoce. (2ª TACivSP, Ap. 384.453, Rel. Juiz Morato de Andrade, julgado em 08/5/96).

 

1.2. Acidente do trabalho por concausa

Ainda que a execução do trabalho não tenha sido a causa única e exclusiva do acidente ou da doença ocupacional, mesmo assim tais sinistros serão considerados acidentes do trabalho para efeitos de lei quando as condições de trabalho concorrerem diretamente para o advento do infortúnio. A essa “causa concorrente” a doutrina chama de concausa, a qual se encontra prevista na Lei 8.213/91:

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesăo que exija atenção médica para a sua recuperação.

Os tribunais do trabalho estão atentos à possibilidade de caracterizar acidente do trabalho pela verificação de concausa:

O fato de o acidente do trabalho ou doença equivalente decorrer de outros fatores além dos laborativos, devidamente comprovados nos autos e negligenciados pelo empregador, não elide a sua caracterização bem como o reconhecimento da responsabilidade empresária, eis que a concausa (contingência adjacente) está prevista na legislação pátria. Inteligência do art. 21, inciso I, da Lei nº 8.213/91. (TRT 3ª Região, 2ª T., RO nº 2635/2003, José M. Caldeira, DJMG 09/4/03, p. 12).

A doutrina admite que a doença que tenha no trabalho a sua concausa se equipara ao acidente de trabalho para fins previdenciários e de indenização civil. Nas lições de José de Oliveira, a concausalidade pode ser preexistente, concomitante ou superveniente:

A concausalidade é fato independente e estranho na produção do resultado; ou causa não ligada à atividade laborativa, porém concorrente. Esta pode ser: preexistente, concomitante ou superveniente. O indivíduo pode adquirir o bacilo de Koch e não apresentar a doença, ficando os bacilos alojados em gânglios junto ao hilo pulmonar, formando o que se chama de complexo primário tuberculoso (causa preexistente). Pode acontecer que o operário, trabalhando em lugar exposto a intempéries e umidades constantes, sem períodos de descanso suficientes, apresentando uma queda no seu estado geral de saúde, com diminuição de suas defesas orgânicas, acompanhada de uma doença debilitante, além de subnutrição e más condições higiênicas, venha a apresentar a doença a partir unicamente do complexo primário tuberculoso. Estamos diante da comprovação da concausalidade das condições agressivas para a eclosão da doença. Estas constituem causas supervenientes, enquanto o complexo primário tuberculoso é causa preexistente4 .

A concausalidade é uma circunstância independente do acidente e que a ele se soma para atingir o resultado final. Mais que isso: só configurará concausa se a circunstância em exame constituir, em conjunto com o fator trabalho, o motivo determinante da doença ocupacional ou do acidente do trabalho. A equação pode ser traduzida na seguinte fórmula: A = C + T (Acidente é igual a Concausa + Trabalho). Assim, o acidente pode ser caracterizado por duas causas diretas que, somadas, concorrem para a sua configuração5 .

Nas palavras de Tupinambá Nascimento: eventual lesão cumulativa entre o trabalho e algum fator preexistente, concomitante ou superveniente caracterizará a concausa e, por conseguinte, o acidente do trabalho, devendo-se lembrar que a causa laboral tem sempre vis atractiva sobre a causa não laboral6 .

A jurisprudência também é neste sentido:

Culpa do empregador manifestada na violação dos seus deveres legais. Concausa. Age com culpa o empregador que desrespeita flagrantemente as normas cogentes de saúde e segurança do trabalho, impondo jornada excessiva ao seu empregado, com violação das cláusulas mais elementares do contrato laboral, quando não permite a fruição de pausa mínima legal para descanso e alimentação, exige o cumprimento de outras tarefas, além das contratuais e, ainda, sonega o direito de amparo na Lei da Infortunística, quando deixa de inscrevê-lo como segurado obrigatório no órgão previdenciário. Se a conduta desse empregador não tem manifesta intenção de lesar o seu empregado, tem, à toda evidência, intolerável indiferença em face dos previsíveis riscos da atividade laborativa prestada nas referidas condições. Se essa conduta ilícita do empregador não foi a causa única do acidente de trabalho que vitimou a reclamante e lhe deixou seqüelas estéticas, foi pelo menos concausa do mesmo, nos termos e para os efeitos do artigo 21, inciso I, da Lei 8.213/91. (TRT 3ª Região, RO 8148/2002, Relator José Roberto Freire Pimenta, publicado no DJ/ MG em 13/8/2002, p.12).

Além dos acidentes e doenças ocupacionais que têm no trabalho a sua concausa, cabe registrar outros infortúnios equiparados ao acidente do trabalho, nos quais o fator trabalho não chega a ser fator direto e concorrente, mas uma causalidade indireta. São, pois, os casos arrolados nos incisos II a IV do art. 21 da Lei 8.213/91.

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4. OLIVEIRA, José de. Acidentes de trabalho: teoria, prática, jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 21. 5. Logo, se faltar “T” e ainda assim restar caracterizado o acidente ou a doença, por certo que “acidente do trabalho” não é, vez que faltará o nexo causal com o serviço prestado. 6. NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Comentários à lei de acidentes do trabalho. 5. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1984. p. 33 e 34.

 

1.3. Acidentes por equiparação legal

Importante neste momento não confundir causalidade indireta com concausa, pois nesta (ao contrário daquela) a causalidade é direta e concorrente (ainda que não seja exclusiva).

Como “acidente por equiparação” mencione-se aquele ocorrido no local e no horário do trabalho, em consequência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior. Exegese do art. 21, II, da Lei 8.213/91.

Outra espécie de infortúnio que se equipara ao acidente do trabalho é a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade, ex vi legis do art. 21, III, da Lei 8.213/91.

Finalmente, encerram os mesmos efeitos previdenciários do acidente do trabalho, aqueles acidentes sofridos pelo empregado, ainda que fora do horário ou local de trabalho, conforme dicção do art. 21, IV, da Lei 8.213/91:

a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;
b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;
c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.

Registre-se que os efeitos previdenciários do acidente de trabalho típico se estendem a todas estas hipóteses acima nominadas. Contudo, para fins de indenização civil, deverão estar presentes os três elementos da responsabilidade subjetiva, ou seja, o dano do empregado deve ter como nexo causal (ou concausal) o ato ilícito (culpa) do empregador. Logo, o simples acidente de trajeto, ou in itinere, sem comprovação de culpa do empregador não ensejará indenização, mas apenas incidência da cobertura do seguro previdenciário (SAT). No caso de restar comprovado que o acidente in itinere foi provocado por ato culposo do empregador, o agente deverá indenizar a vítima, vez que presentes os elementos da responsabilidade civil.

Ao assumir o risco de transportar trabalhadores para o local da prestação de serviços, em lugar de difícil acesso não servido por transporte público regular (Súmula 90 do TST), o empregador arca com a obrigação de proporcionar segurança aos seus empregados, por meio da adoção de medidas relativas à adequada manutenção do veículo de transporte. Assim, se o transporte de trabalhadores é realizado em um veículo em péssimo estado de conservação e sem autorização do poder público, encontra-se caracterizada a culpa patronal contra a legalidade, por violação ao artigo 230, inciso II, do Código de Trânsito Brasileiro, que veda o transporte de passageiros em compartimento de carga, e ao artigo 132, parágrafo único, do Código Penal, no qual se encontra tipificado o crime de perigo para a vida ou a saúde de outrem. (TRT3ª Região, 2ª Turma, Rel: Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira, julgado em 20/6/2006, DJ de 05/7/2006).

Após análise dos variados infortúnios do gênero “Acidente do Trabalho”, é possível sistematizar esses sinistros em quatro espécies, assim previstas na Lei 8.213/91:

a) acidente do trabalho-tipo (art.19);
b) doença ocupacional (art. 20 e 21-A);
c) acidentes caracterizados por concausa (art. 21, I);
d) acidentes por equiparação legal (art. 21, II a IV).

A primeira espécie tem por característica a instantaneidade da causa7 e o resultado imediato enquanto que na segunda (doença ocupacional, abrangendo doença profissional, doença do trabalho e doença caracterizada por NTEP) leva-se em conta a progressividade e a mediatidade do resultado8 .

A terceira espécie (acidente por concausa) tem no trabalho uma de suas causas diretas, porém não exclusiva (apenas concorrente), e a quarta espécie noticiada (vg: acidente de trajeto) tem no trabalho uma causalidade apenas indireta.

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7. Registre-se, em sentido diverso, o comentário preciso de Cleber Lúcio de ALMEIDA, de que “a subitaneidade não é essencial à configuração do acidente do trabalho”, vez que no seu conceito se incluem “os microtraumas que se repetem durante a prestação de serviços e dos quais resulta lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho, tais como a inalação constante de substâncias tóxicas, o ruído excessivo (causando perda ou diminuição da audição) e o esforço repetitivo (ocasionando a LER)”. In: Responsabilidade civil do empregador e acidente do trabalho. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2003. p. 12. 8. OLIVEIRA, José de. Acidentes do trabalho: teoria, prática, jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 1. Registre-se que tal autor adota taxionomia diferente daquela por nós defendida.

 

2. Indenização acidentária: danos materiais

O sinistro acidentário na grande maioria das vezes enseja, ao mesmo tempo, danos materiais e morais à vítima. Quanto ao dano material, a fim de tornar a matéria mais didática e compreensiva, importa dividirmos a indenização em três hipóteses legais:

a) Indenização no caso de morte da vítima (art. 948, CC);
b) Indenização no caso de incapacidade temporária da vítima (art. 949, CC);
c) Indenização no caso de incapacidade permanente, total ou parcial (art. 950, CC).

 

2.1. Indenização no caso de morte da vítima

Havendo óbito oriundo de acidente do trabalho, o valor da indenização por dano material seguirá a regra estampada no art. 948 do Código Civil:

No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:
I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima; [...]

Observa-se no caput do aludido dispositivo que o legislador está atento ao princípio da reparação integral (restitutio in integrum – art. 944 do CC). Assim, ao contrário do alcance restritivo do Código Civil de 1916 (art. 1.537), no atual consta expressamente que o dano material não se limita ao dano emergente previsto no seu inciso I (despesas com o tratamento da vítima, funeral ou luto da família), nem tampouco ao lucro cessante de que trata o seu inciso II (prestação de alimentos aos dependentes), mas abrange “outras reparações”, como por exemplo o dano moral daí decorrente.

Os danos emergentes devem ser demonstrados pela produção de prova documental, tais como notas fiscais de hospitais, remédios, funerária etc9 . Quanto ao chamado lucro cessante previsto no inciso II do art. 948 do Código Civil, o legislador usa a expressão “prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”. Dessa expressão se extraem três elementos: - prestação de alimentos através de pensão; - duração provável da vida da vítima; - dependentes do acidentado falecido. Vamos a eles.

 

2.1.1. Prestação de alimentos através de pensão

Em primeiro lugar, é importante dizer que a aludida “prestação de alimentos” não segue a mesma diretriz da chamada “pensão alimentícia”, própria de filhos de pais divorciados. Enquanto nesta há efetivamente caráter alimentício, fixando-se a pensão pelo binômio necessidade do alimentado e capacidade financeira do alimentante, no caso de que trata o art. 948, II, do CC, a prestação de alimentos considera apenas a renda da vítima, ou seja, a última remuneração auferida quando do acidente que causou a morte. A despeito da expressão “prestação de alimentos”, trata-se, deveras, de indenização decorrente de ato ilícito ou atividade especial de risco do agente.

Logo, pouco importa para o seu cabimento a necessidade financeira dos dependentes ou a capacidade econômica do agente. O objetivo da prestação de alimentos aludida no art. 948, II, é o de retornar ao status quo ante, ou seja, repor à vítima a situação em que se encontrava antes da ocorrência do dano. Assim, dentro dessa conjectura, o STJ firmou posição de que o valor da pensão, no caso de morte da vítima, deve ser o da remuneração global do acidentado.

Nessa trilha, a jurisprudência vem vinculando o valor da pensão aos reajustes da categoria profissional, além de incluir o valor do 13º salário em sua base de cálculo.

A pensão vitalícia por danos físicos, a qual integra o 13º salário, é devida enquanto o beneficiário vive e dela necessita. (RT, 748:385)

Registre-se posição minoritária no sentido de que a indenização não pode ter como base tais conjecturas de progressão funcional, “já que, do mesmo modo, o trabalhador futuramente poderia ficar desempregado”10.

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9. Quanto à despesa com funeral, registre-se a seguinte ementa: “1. Não se exige a comprovação da realização de gastos relacionados ao funeral dada a certeza do fato do sepultamento, sobretudo em hipóteses, como no caso em comento, em que se apresenta proporcional o valor estipulado como indenização para fins de pagamento das respectivas despesas. Precedentes. [...]” (STJ, REsp 629262/ RJ, 2ª Turma, Relator Ministro João Otávio de Noronha, publicado no DJ 21/11/2005, p. 181).

 

2.1.2. Duração provável da vida da vítima

A segunda observação refere-se ao marco temporal da prestação de alimentos devida aos dependentes, “levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”.

Conforme assinala Raimundo Melo, nesse aspecto andou bem o legislador, deixando em aberto o espaço do tempo de duração da pensão, para ser fixada pelo juiz no caso concreto.

Desse modo, deve o julgador levar em conta a média de vida do brasileiro no momento da morte da vítima, cujo prazo vem aumentando em razão dos avanços da medicina e da melhor qualidade de vida, que varia, evidentemente, de acordo com a situação social e econômica da vítima e região de vivência11.

O critério mais profícuo a respaldar esta expressão legal é aquele que aplica a tabela de mortalidade editada periodicamente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Assim, aplicam-se analogicamente as disposições do art. 29, §§ 7º e 8º, da Lei 8.213/91, bem como os arts. 1º e 2º do Decreto nº 3.266/99, que remetem o cálculo da sobrevida à tábua completa de mortalidade do IBGE.

Com o advento do novo Código Civil restou superada a jurisprudência que definia como termo final da indenização os 65 anos de idade. Atualmente, o art. 948, II, do Código Civil dispõe expressamente acerca da “duração provável da vida da vítima”, atraindo a tabela do IBGE, que aponta para a expectativa de vida com esteio na mais correta metodologia disponível. Em igual sentido vem caminhando a jurisprudência do STJ:

1. O Tribunal a quo ao fixar em 68 (sessenta e oito) anos de idade o tempo provável de vida do de cujus considerou ser esta a média aproximada de vida do brasileiro.
O decisum recorrido não se afastou do entendimento desta Corte, consoante o qual “a longevidade provável de vítima fatal, para efeito de fixação do tempo de pensionamento, deve ser apurada em consonância com a tabela de sobrevida adotada pela Previdência Social, de acordo com cálculos elaborados pelo IBGE” (Precedentes: REsp. nº 268.265/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ 17/6/2002; REsp. 72.793/ SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 06/11/2000).[...] (REsp 698443/SP, Recurso Especial 2004/0150883-2, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4a T., DJ 28/3/2005, p. 288)

Assim, por exemplo, se o acidente de trabalho que causou a morte da vítima ocorreu em data em que o trabalhador tinha 23 anos de idade, a pensão alimentícia a ser paga aos seus dependentes deve compreender 51,9 anos, vez que esta é a expectativa de vida provável de acordo com a aplicação da tabela do IBGE.

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10. CAIRO JÚNIOR, José. O acidente do trabalho e a responsabilidade civil do empregador. São Paulo: LTr, 2003. p. 101. 11. MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 2004. p. 390-391.

 

2.1.3. Dependentes do acidentado falecido

Finalmente, cabe comentar o terceiro elemento da expressão contida no art. 948, II, do Código Civil: “No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”.

Os titulares desta pensão alimentícia não são necessariamente os herdeiros civis da vítima, mas os seus dependentes econômicos no momento do acidente, geralmente os filhos e a viúva ou mesmo a companheira de união estável12. Tais pessoas, em geral, encontram-se relacionadas na declaração de dependência do empregado do INSS, documento preenchido pela própria vítima quando da celebração do contrato de trabalho. No entanto tal declaração não encerra valor absoluto, devendo o julgador, em caso de dúvida, analisar cada situação in concreto.

Muitas vezes a vítima tinha um filho relacionado na declaração de dependência, mas que no momento do acidente fatal já havia completado 25 anos ou já se encontrava casado e com renda própria. Com efeito, nestas hipóteses, referido filho não será considerado como dependente econômico do pai (vítima do acidente). Outras vezes um sobrinho da vítima, apesar da idade avançada (superior a 25 anos) e de não constar na declaração original de dependentes junto ao INSS, pode ser considerado jurídica e economicamente dependente do tio, se comprovado ser portador de moléstia grave e residente sob o mesmo teto mantido pela vítima do acidente.

A doutrina e a jurisprudência vêm firmando posição de que a viúva, mesmo aquela que exerça atividade remunerada, tem direito ao recebimento da pensão do ex-marido morto em acidente, mormente nos casos de família de classe média e baixa. É que nessas situações o que mantém o sustento da casa é a renda do casal vista em conjunto13.

No caso de existência de vários beneficiários da pensão, deverá haver rateio igualitário, sendo que o falecimento de um deles implicará a reversão de sua quota em favor dos demais, conforme aplicação analógica do art. 77, parágrafo 1º, da Lei 8.213/91, in verbis:

Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais. Parágrafo primeiro. Reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar.

O mesmo raciocínio se aplica quando um dos pensionistas do rateio deixar de ter direito ao recebimento da quota por qualquer motivo.

Em relação aos filhos da vítima, importa registrar o entendimento consolidado pelo STJ de que o pensionamento, nestes casos, será devido até o filho completar 25 anos de idade, período em que se considera presumida a dependência econômica do filho14.

Nesse sentido é a ementa:

Tratando-se de pensão pela morte do pai a obrigação vai até a idade em que a menor completar 25 anos, na forma da mais recente jurisprudência da Corte. (STJ, 3ª Turma, REsp 650.853, Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 13/6/2005).

Mutatis mutandi, quando o filho da vítima encontrar-se acima desta faixa etária, terá de comprovar que em face de circunstâncias especiais (vg: patologia ou outra incapacidade) estaria ainda sob a dependência econômica do de cujus. Conforme bem observa o jurista Sebastião Geraldo de Oliveira, o pensionamento “não tem conotação de direito hereditário, mas de reparação dos prejuízos de modo que aquele núcleo familiar possa manter o mesmo padrão de vida que era assegurado, até então, pelos rendimentos da vítima”15. 

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12. Nesse sentido é a ementa: “A companheira da vítima, assim qualificada por órgão da previdência social, e beneficiária da pensão, é parte legítima para postular indenização fundada no direito comum, decorrente de acidente do trabalho. Recurso conhecido e provido.” (STJ, Resp 23685/RJ, Recurso Especial 1991/0015087-0, 3a Turma, Min. Castro Filho, DJ 06/5/2002, pág. 284, RSTJ vol. 158, pág. 239). Também em igual sentido é a Súmula 35 do STF. 13. MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 2004. p. 391. Em igual sentido registre o julgado do STJ, REsp n. 157.912, RJ, DJU 21/9/98).

 

2.2. Indenização pela incapacidade temporária

A incapacidade temporária é aquela que ocorre durante o tratamento e desaparece após esse período pela convalescença ou pela consolidação das lesões, sem sequelas incapacitantes ou depreciativas. É, pois, o caso das lesões corporais leves. Distingue-se, portanto, da incapacidade permanente, a qual decorre de acidentes mais graves e por isso deixam sequelas incapacitantes após o tratamento, podendo ser total ou parcial para o trabalho16. A indenização devida para a incapacidade temporária encontra-se prevista no art. 949 do Código Civil e, para a incapacidade permanente, no art. 950 do mesmo diploma legal.

Importante transcrever a regra legal que fundamenta a indenização cabível no caso de incapacidade temporária do acidentado.

Art. 949 do Código Civil: “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.”.

Como se vê, nos casos em que o acidente gera incapacidade temporária para o trabalho, o legislador subdividiu a indenização em três tópicos:

a) Despesas com o tratamento – São os gastos que a vítima tem com médico, remédio, fisioterapia, enfermeiro, curativo etc. Sobre o tema, José de Aguiar Dias faz oportuna observação:

Cumpre, porém, que o juiz não permita que a parte converta essa verba em enriquecimento ilícito, nem mesmo em imposição de ônus desarrazoados ao responsável. Cada um cuida de si na proporção de suas posses e nada se pode objetar a quem procure cercar-se de cuidados médicos mais dispendiosos, se o faz à sua custa17.

Assim, correrá por conta da vítima aquilo que porventura seja apresentado na conta das “despesas com o tratamento” em valores desproporcionais e exagerados ao que comumente ela despenderia se fosse pago do seu próprio bolso. Como exemplo cite-se a despesa com a utilização de apartamento particular em hospital quando comumente a vítima usava leito em enfermaria. A indenização leva em conta a justa reparação do dano sofrido e não “generosidades por conta alheia”.

b) Lucros cessantes – Caracterizam-se pelo valor que o acidentado deixou de auferir durante o período de recuperação plena (convalescença). Tal ocorre somente a partir do 16º dia de afastamento do trabalho, vez que antes desse período o empregador é obrigado a pagar integralmente o salário do empregado. Observe-se que não é possível compensar o valor do auxílio-doença-acidentário com o valor da indenização, pois além de serem verbas com natureza jurídica distinta o constituinte estabeleceu que os benefícios previdenciários decorrentes do seguro de acidente do trabalho não excluem o direito à indenização acidentária paga pelo empregador (art. 7º, XXVIII, CF).

Logo, se a incapacidade do empregado tiver por nexo causal um ato ilícito do empregador, ainda que temporária, implicará no dever de indenizar o período de afastamento acumulado com o benefício previdenciário. Se a incapacidade temporária decorrer de mera fatalidade (sem a presença do elemento culpa patronal), o empregado somente perceberá o auxílio-doença-acidentário.

c) Outro prejuízo que o acidentado tenha sofrido – Prestigiando o princípio da reparação integral à vítima, o legislador fez questão de estabelecer que, além das despesas com o tratamento e os lucros cessantes, a indenização abrange algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido, incluindo-se aqui eventuais despesas com a contratação de algum auxiliar ou mesmo valores despendidos com cirurgia reparadora, danos estéticos ou qualquer outro dano ligado ao direito geral de personalidade.

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17. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1954. v. II, p. 760.

 

2.3. Indenização pela incapacidade permanente

Em relação à indenização cabível pela incapacidade permanente do trabalhador acidentado, seja ela parcial ou total, o legislador prevê, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o retorno ao trabalho, o pagamento de pensão mensal ou paga de uma só vez em valor proporcional à depreciação sofrida pela vítima ou à sua inabilitação profissional. Nesse sentido é a regra do Código Civil vigente:

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

Em relação aos lucros cessantes e às despesas de tratamento, reportamo-nos aos mesmos comentários feitos no item anterior.

No que diz respeito à previsão de pagamento de pensionamento à vítima, urge destacar que se está diante de verba indenizatória com fundamento no ato ilícito ou no risco criado pelo empregador18. Logo, não há como compensar tal valor indenizatório com o benefício previdenciário pago pelo INSS, mormente porque assim preceitua expressamente o art. 7º , XXVIII, da Constituição Federal.

Na mesma esteira, percebe-se que o legislador considerou o “próprio ofício” ou a “profissão praticada” pelo acidentado para aferir o grau de incapacidade e, por conseguinte, fixar o valor da pensão. Assim, pouco importa o fato da vítima vir a exercer outra atividade afim ou compatível com sua depreciação.

Ficando o ofendido incapacitado para a profissão que exercia, a indenização compreenderá, em princípio, pensão correspondente ao valor do que deixou de receber em virtude da inabilitação. Não justifica seja reduzida apenas pela consideração, meramente hipotética, de que poderia exercer outro trabalho. (STJ, Resp 233.610-RJ, Terceira Turma. Ministro Eduardo Ribeiro. DJ de 26/06/00)

 

 

2.3.1. Valor da pensão na incapacidade total

Em casos de perda total e permanente da capacidade laborativa, é reconhecido ao trabalhador o direito de receber pensão mensal vitalícia em valor igual à última remuneração à época do infortúnio, acrescida de juros e correção monetária, bem como dos reajustes convencionais da categoria profissional.

Para efeitos de indenização a cargo do empregador basta que o ofendido não possa mais exercer o seu ofício normal ou profissão (art. 950 do Código Civil):

De acordo com o art. 950 do Código Civil, se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Isso significa que, na fixação da pensão mensal vitalícia, decorrente de acidente do trabalho ou doença profissional a ele equiparada que cause incapacidade permanente, “o juiz levará em conta a atividade da vítima e ganhos auferidos no momento do acidente e o grau da incapacidade para a referida atividade, e não para uma outra, fixando, assim, uma pensão total ou parcial”. (TRT 9ª Região, Proc. 99533-2006-661-09-00-4, Ac. 26216-2009, Quarta Turma, Rel. Des. Luiz Celso Napp, DJPR 18/8/2009) (destacamos)

Nesse sentido, Cléber Lúcio de Almeida assevera:

A impossibilidade do exercício profissional ensejadora de reparação diz respeito à atividade desenvolvida pelo trabalhador quando do acidente e não a qualquer atividade laborativa (art. 950 do Código Civil). A inaptidão do trabalhador para as atividades até então desenvolvidas diminui a possibilidade de sua relocação no mercado de trabalho, em especial quando ele contava com largos conhecimentos e experiências em tal atividade e nenhum ou pouco conhecimento e/ou experiência em outras19.

Urge distinguir, também, as características da pensão quando há morte do acidentado do caso de incapacidade permanente sem óbito. Na primeira hipótese, conforme visto anteriormente, os titulares do pensionamento são todas as pessoas a quem o morto devia prestação alimentícia, tendo como termo final a duração provável da vida da vítima20, verificada pela tabela anualmente editada pelo IBGE. Já no caso de incapacidade permanente, o titular é o próprio acidentado, devendo a pensão ser paga enquanto este sobreviver21, em valor proporcional à inabilitação ou depreciação profissional sofrida.

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18. O risco criado, conforme visto, é o fundamento da responsabilidade civil objetiva de que trata o parágrafo único do art. 927 do Código Civil, enquanto que o ato ilícito é o esteio legal da responsabilidade subjetiva aludida no caput do mesmo artigo.

 

2.3.2. Valor da pensão na incapacidade parcial

No caso de haver perda apenas parcial, a pensão mensal deverá ter valor proporcional à redução da capacidade laborativa. Por se tratar de questão técnica, via de regra a mensuração se dá através de prova pericial designada pelo juiz. Geralmente o julgador acolhe o resultado aferido no laudo. Assim, por exemplo, se a perícia médica concluir que houve diminuição em 42% da capacidade laborativa, a pensão é fixada exatamente nesse valor percentual, ou seja, 42% sobre o valor da última remuneração obreira:

Funcionário que, ao manusear uma serra circular, teve um dos dedos da mão esquerda amputado e lesões em outros dois - ausência de equipamentos de segurança em bom estado e de treinamento dos funcionários - ocorrendo o acidente do trabalho incumbe ao patrão a prova de que o dever de segurança foi satisfatoriamente cumprido - culpa do empregador caracterizada - Redução da capacidade laborativa em 42,75% - pensão fixada em 42,75% dos ganhos do autor na época do evento danoso, desde a data do acidente, de forma vitalícia – [...] (TA/PR - Apelação Cível 0209765-6 - 1ª Câm. Cível - Ac. 16195 - Rev. Juiz Marcus Vinícius de Lacerda Costa - DJ 06/12/02)

Contudo, é importante que se diga que o magistrado não se vincula à conclusão da perícia, devendo a motivação da sentença se pautar na prova técnica aliada a outras provas e elementos dos autos, máxime as singularidades que circunscrevem o infortúnio e a pessoa da vítima. A propósito, Sebastião Geraldo de Oliveira traz profícua observação:

Uma perda, apontada pelo perito, de 50% da capacidade laborativa não deve ser apreciada como uma questão de simples percentual, com o rigor inflexível das ciências exatas. Não basta medir a lesão isoladamente fora do contexto dos atributos da pessoa lesada. É necessário visualizar o acidentado, agora portador de deficiência irreversível, na busca de emprego ou de atividade rentável na sua área de atuação profissional, em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo, onde até os ditos “normais” estão enfrentando dificuldades para obter uma colocação22

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19. ALMEIDA, Cleber Lúcio de. Responsabilidade civil do empregador e acidente do trabalho. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2003. p. 119. 20. Conforme art. 948, II, do Código Civil. 21. Observe-se que o art. 950 do Código Civil (ao contrário do art. 948, II) não fixou termo ad quem para cessar o pagamento da pensão; logo a melhor exegese teleológica sinaliza para o pagamento enquanto a vítima viver. Nesse sentido cite-se a ementa: “O limite da pensão, no caso de vítimas sobreviventes ao sinistro, é pautado pela longevidade real das mesmas”. STJ, 4a Turma, Resp 263.223/SP, julgado em 04/10/2001.

 

3. Indenização acidentária: danos morais

Hoje não há mais dúvida acerca da possibilidade de acumular dano material e moral em razão do mesmo infortúnio. A Súmula 37 do STJ pacificou o tema ao assim apregoar: “são cumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato”. Em relação ao acidente do trabalho, observa-se que os artigos 948 e 949 do Código Civil, ao fixarem o valor da indenização, fazem menção a “outras reparações” ou “a algum prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”, incluindo-se aí a condenação do dano moral. Em igual direção caminha a jurisprudência:

Havendo a prova pericial produzida comprovado cabalmente ter o reclamante sofrido perda auditiva parcial e irreversível em decorrência de seu trabalho na reclamada e a responsabilidade subjetiva desta pelo evento, correta sua condenação ao pagamento de indenizações pelos danos materiais e morais a ele causados. É o que resulta da combinação do disposto no artigo 114 da Constituição da República com o que estabelece o artigo 159 do Código Civil (subsidiariamente aplicável na esfera trabalhista por força do parágrafo único do artigo 8º da CLT). (TRT 3ª Região, 3ª T., RO nº 8737/2000, Rel. Juiz José Roberto F. Pimenta, DJMG 07/11/2000, pág. 15).

Os danos materiais são aqueles suscetíveis de valoração econômica buscando uma reparação equivalente ao status quo ante. Já os danos morais são todos os que violam direito geral de personalidade, não sendo suscetíveis de apreciação pecuniária e que, por isso, devem ser arbitrados pelo juízo, conforme preceitua o art. 946 do CC/02, combinado com o art. 475-C, II, do CPC:

Art. 946, CC/02: Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar. Art. 475-C, do CPC: Far-se-á a liquidação por arbitramento quando: II – o exigir a natureza do objeto da liquidação.

O dano moral não precisa ser provado pela vítima, sendo uma presunção hominis da simples violação de qualquer direito de personalidade. Neste sentido é o aresto do TST que prestigia a nossa doutrina:

O dano moral caracteriza-se pela simples violação de um direito geral de personalidade, sendo a dor, a tristeza ou o desconforto emocional da vítima sentimentos presumidos de tal lesão (presunção hominis) e, por isso, prescindíveis de comprovação em juízo (Dallegrave Neto, José Afonso, Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho, 2ª ed. SP: LTr, 2007, p. 154). Daí prescindir, o dano moral, da produção de prova, relevando destacar cabível a indenização não apenas nos casos de prejuízo, mas também pela violação de um direito. (TST, Processo Nº RR-400-21.2002.5.09.0017, Rel. Min. Rosa Maria Weber, DEJT 11/6/2010).

No exercício da advocacia venho constatando inúmeras sentenças que rejeitam o pedido de dano moral sob o argumento de “falta de prova da dor ou sofrimento” por parte da vítima. Acerca dessa equivocada postura judicante, concordo integralmente com a insurgência registrada pelo magistrado e professor Sebastião Geraldo de Oliveira:

Entendemos equivocada a postura de alguns magistrados que colocam como pressuposto da indenização a prova de que o lesado passou por um período de sofrimento, dor, humilhação, depressão etc. Ora, é desnecessário demonstrar o que ordinariamente acontece (art. 334, I, do CPC) e que decorre da própria natureza humana23.

Não se negue que o dano moral existe in re ipsa, o que vale dizer: ele está ínsito no próprio fato ofensivo. A vítima precisa apenas fazer prova do fato em si, ou seja, demonstrar que foi caluniada ou difamada ou que sofreu um acidente do trabalho que a levou a incapacidade para o trabalho. A dor e o constrangimento daí resultantes são meras presunções fáticas. Logo, as circunstâncias agravantes ou atenuantes provadas em audiência e que envolveram a ofensa ao direito de personalidade da vítima podem apenas ser usadas como parâmetros de majoração ou redução no arbitramento do valor, mas jamais para acolher ou rejeitar o pedido de dano moral, o qual é sempre presumido.

A propósito da possibilidade do julgador ponderar todas as circunstâncias do caso, registre-se a seguinte regra do Código Civil destinada aos efeitos civis dos crimes contra a honra, mas que pode ser aplicada por analogia a todos os casos de dano moral:

Art. 953. A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido. Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso.

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23. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 191.

 

3.1. Parâmetros para o arbitramento

A jurisprudência vem firmando posição no sentido de que a fixação do dano moral colima compensar a vítima – considerando, para tanto, a sua condição econômica – e ao mesmo tempo prevenir a reincidência do ato ilícito, levando-se em conta, para tanto, a condição financeira do agente:

Na fixação da indenização do dano moral, deve o juiz se nortear por dois vetores: a reparação do dano causado e a prevenção da reincidência patronal. Vale dizer que, além de estimar o valor indenizatório, tendo em conta a situação econômica do ofensor, esse deve servir como inibidor de futuras ações lesivas à honra e boa fama dos empregados. (TST, 4ª Turma, RR n. 641.571, Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen, DJU: 21/02/2003).

Contudo, além desses pressupostos, faz-se mister investigar outras diretivas complementares que devam nortear o julgador no arbitramento do dano moral, mormente porque até o presente momento o direito positivo não admite falar em tarifação dessa espécie de dano24. 

Nessa perspectiva, o STJ vem entendendo que nos casos de dano moral oriundo de morte da vítima (de acidente de trabalho ou de trânsito25) o valor justo equivale a 500 S.M. (quinhentos Salários Mínimos):

[...] 2 - Admite o STJ a redução do quantum indenizatório, quando se mostrar desarrazoado, o que não sucede na espécie, em que houve morte decorrente de acidente de trânsito, dado que as Quarta e Terceira Turmas desta Corte têm fixado a indenização por danos morais no valor equivalente a quinhentos salários mínimos, conforme vários julgados.

(REsp n. 773075/RJ, 4ª Turma, Recurso Especial n. 2005/0134134-2, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJ 17/10/2005, p. 315).

Responsabilidade Civil. Dano moral. Morte de esposa e mãe. Deferimento de indenização equivalente a 500 salários mínimos, a ser repartida igualmente entre os beneficiários. Recurso conhecido em parte pela divergência e provido parcialmente. (STJ, 4ª Turma, Resp 163484/RJ, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 20/8/1998).

Como se vê, o julgador deve seguir algumas diretivas oriundas da ordem jurídica, tendo como norte a lógica do razoável. Não há dúvida que o melhor critério para arbitrar o dano moral é aquele em que o magistrado se coloca no lugar da vítima, supondo que o acidente de trabalho tenha ocorrido com ele próprio ou, se isso não for possível (diante de circunstâncias relativas ao sexo e à idade da vítima), imagine que o acidente tenha se dado com alguém muito próximo como, por exemplo, o seu pai, filho ou cônjuge. Somente assim, aplicando-se o princípio da investidura fática, é que o valor arbitrado chegará próximo a de um “valor justo e razoável”

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24. De nossa parte acho correta a postura omissa do legislador em não tarifar o dano moral, vez que o arbitramento deve analisar cada situação em concreto. Contudo, consigne-se a existência do PL n. 150 de 1999, já aprovado no Senado, o qual fixa três níveis de tarifação para o dano moral: ofensa leve até R$20.000,00; ofensa de natureza média, de R$20.000,00 a R$90.000,00; ofensa grave, de R$90.000,00 a R$180.000,00. 25. Não se ignore que as regras dos artigos 948 a 950 do Código Civil se aplicam tanto às vítimas de acidente de trabalho quanto as de acidente de trânsito.

 

4. Reparação judicial do dano acidentário: evolução ou involução?

Nesse ensaio analisamos o valor da indenização acidentária. Contudo, não se pode ignorar que tanto a precaução quanto a prevenção de infortúnios no trabalho encerram valor jurídico muito maior que a mera reparação pecuniária do dano, vez que o respeito à dignidade do trabalhador pressupõe a preservação de sua saúde física, mental e emocional.

Com efeito, quando a empresa constitui sua atividade econômica e dela retira lucro com a participação direta do serviço prestado por seus empregados, passa também a ter o dever de assegurar a integral incolumidade física, moral e mental dos seus colaboradores partícipes. Não se perca de vista a parêmia de que quem detém o bônus, tem também o ônus (ubi emolumentum, ibi onus)

Sebastião Geraldo de Oliveira faz interessante observação acerca da conveniência estratégica dos empresários em observar a legislação a fim de evitar expressivas indenizações judiciais e comprometer a imagem institucional da empresa:

Enquanto a norma praticamente se limitava a conclamar o sentimento humanitário dos empresários, pouco resultado foi obtido; agora, quando o peso das indenizações assusta e até intimida, muitos estão procurando cumprir a lei, adotando políticas preventivas, nem sempre por convicção, mas até mesmo por conveniência estratégica. Gostando ou não do assunto, concordando ou discordando da amplitude da proteção, o certo é que o empresário contemporâneo, com vistas à sobrevivência econômica no século XXI, terá de levar em conta as normas a respeito da saúde no ambiente de trabalho e a proteção à integridade física e mental dos seus empregados26.

Passados alguns anos em que a competência para julgar a ação acidentária deslocou-se da Justiça Comum para a Justiça do Trabalho27, o que se verifica, infelizmente, é uma sensível diminuição dos valores fixados e arbitrados para a indenização acidentária. Boa parte dos juízes do trabalho vem demonstrando preocupação excessiva com os cofres da empresa em detrimento da fixação de uma indenização plena e legalmente devida ao acidentado. Em razão disso, a interpretação da norma acidentária é flexibilizada em prol do agente causador do dano – uma nítida subversão dos valores jurídicos, um golpe ao princípio de proteção ao trabalhador, uma deformação da interpretação conforme a Constituição da República!

A fim de ratificar essa inferência, basta comparar os valores indenizatórios até então fixados pelos juízes estaduais com as indenizações pífias doravante estabelecidas por boa parcela do Judiciário Trabalhista. Contudo, ainda assim vislumbram-se duas vantagens à vítima do acidente em razão do deslocamento da competência jurisdicional: a celeridade do trâmite28 e a dispensa de pagamento antecipado das custas processuais29.

Não se ignore que essa postura de condescendência de parcela da judicatura desestimula a empresa ao cumprimento rigoroso da legislação infortunística, por já saber, de antemão, que a condenação judicial encontra-se mitigada. Esse fato, ainda que por via oblíqua, acaba fomentando os dados estatísticos acidentários que coloca o Brasil como detentor do infausto título de recordista mundial. Tal problema é muito mais de (falta de) consciência social do que propriamente de legislação anacrônica, até porque a legislação infortunística brasileira é uma das mais avançadas (e modernas) do mundo.

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26. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 202.
27. Esse deslocamento de competência jurisdicional ocorreu a partir da Emenda Constitucional nº 45 em vigor a partir de 1º de janeiro de 2005. 28. No cível o juiz sequer designa data para prolação da sentença (o que é um acinte ao princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da CF). 29. Haverá gratuidade das custas sempre que o Reclamante obtiver êxito na Ação Trabalhista. Sendo improcedente a ação, com a rejeição in totum dos pedidos, o Autor será condenado ao pagamento das custas processuais, após o trânsito em julgado da decisão, na forma do art. 789, II, da CLT.

Fonte: http://portal2.trtrio.gov.br:7777/pls/portal/docs/PAGE/GRPPORTALTRT/PAGINAPRINCIPAL/JURISPRUDENCIA_NOVA/REVISTAS%20TRT-RJ/049/14_REVTRT49_WEB_JOSEAFFONSO.PDF